Helmutt Lehmann – Pequeno Milagres
Fonte: Bruno Filipe Pires, Edição 604 ( 3 Dez 2009),Jornal do Algarve
É um dos tesouros mais bem guardados do Algarve. Helmuth Lehmann, 70 anos, médico alemão de clínica geral e especialista em medicina homeopática para crianças atrai autênticas romarias à sua casa em São Brás de Alportel. A sua reputação há muito que saiu do Algarve e há quem viaje de Lisboa de propósito só para o ver. Numa altura em que se prepara para fechar a sua clínica – autêntica capela dos milagres para muitos pais algarvios – quisemos conhecer melhor o casal Helmuth e Walburga Lehmann. Quem irá continuar o seu trabalho? Que pensam sobre a gripe A? Podemos confiar nos médicos portugueses?
Crianças saudáveis, naturalmente…
Logo pela manhã cedo, o telefone começa a tocar. Entre as 8h00 e as 9h00, de segunda a sexta-feira, o doutor Helmuth Lehmann recebe em média 35 telefonemas diários.
À tarde, entre as 17h00 e as 19h00 observa uma média de 30 crianças. São já mais de 2000 no arquivo. E apesar do aviso que colocou à porta a dizer que não é possível aceitar mais crianças, há sempre caras novas.
Ironicamente, o casal veio para o Algarve em busca de paz e sossego. Helmuth, então com 55 anos, e a sua inseparável Walburga chegaram cansados e cheios de projetos. Queriam tranquilidade para estudar, aprofundar conhecimentos e escrever livros.
A homeopatia “é um grande estudo. Maior que a medicina tradicional. Existem mais de 3 mil remédios. Por exemplo, a pulsatilla tem mais de 2000 indicações”, revela Walburga, 61 anos.
Em 1995, compraram uma casa nos arredores campestres e solarengos de São Brás de Alportel (São Romão). Não queriam ouvir falar em mais trabalho.
Na Alemanha, Lehmann trabalhava com outros médicos. Até que decidiu abrir uma pequena clínica em Immerath – uma pequena vila mineira de 800 habitantes, entre Colónia e Düsseldorf. Com a sua abordagem homeopática e a sua dedicação às crianças, rapidamente ganhou fama. Diariamente, pelas 07h00 já haviam filas enormes à porta. Davam uma média de 120 consultas por dia. O casal Lehmann aguentou este ritmo de trabalho durante vários anos até virem para Portugal.
Entretanto, aceitaram um convite para organizar alguns cursos de homeopatia para mães alemãs residentes no Algarve. O sucesso foi tal, que não tardou muito a vencer barreiras linguísticas e a chegar aos ouvidos das mães portuguesas.
Em pouco tempo, pais aflitos começaram de novo a bater à sua porta. Perante tanta procura, o médico não teve alternativa senão legalizar-se junto da Ordem dos Médicos. “Demorou imenso tempo, faltava sempre um papel”, lembra. O processo começou em 2003 e só em 2005 é que recebeu a licença.
Hoje, Walburga acredita que os pais algarvios procuram o marido porque “alguém lhes disse que em São Brás há um médico que pode ajudar”, e não apenas pelo facto de exercer a homeopatia.
Muitos vêm desesperados. Outros, apenas experimentar. Porquê? Lehmann não comenta o profissionalismo dos médicos portugueses, mas diariamente lida com exemplos de más práticas e de uma conduta duvidosa.
Recentemente, “uma mãe trouxe-me um menino com um grande nódulo linfático no pescoço. À noite, um médico esteve em casa dele e disse que era papeira”, conta. Mas apenas a julgar pela posição anatómica do problema, o diagnóstico não tinha hipótese de estar correto.
“Tenho crianças que tossem desde os dois meses de idade. Já tomaram tudo o que é xaropes e continuam a tossir. Isso é típico aqui. Muitos médicos apenas passam uma receita”, diz.
“Os pais perguntam-me se têm que despir as crianças. Eu respondo – quando um médico quiser auscultar por cima da roupa, você fuja!”, diz Helmuth Lehmann, porque não é possível ouvir nada com clareza deslizando o estetoscópio em cima da roupa.
Negligência? Desinteresse? “Penso que tem de ser tudo feito rápido, porque não há médicos suficientes aqui”, explica Walburga.
Questionado sobre o uso de antibióticos, o médico alemão joga as mãos à cabeça – “É horrível, horrível! Vi uma criança que sofre sempre amigdalite com pus. Já tomou 50 vezes antibióticos! E só tem 7 anos!”
Helmuth Lehmann também fica muitas vezes chocado com a escolha de certos medicamentos receitados às crianças. “Por exemplo, gotas para os olhos que têm antibiótico e cortisona. Receitam-se aqui substâncias que estão proibidas há mais de 20 anos na Alemanha. Prescrevem-se supositórios que são usados para adultos com reumático!”, lamenta.
“Há um alergologista que põe realmente as crianças doentes. Faz 30 testes e no final dá-lhes 5 grandes remédios diferentes por dia. Eu tiro tudo e nada acontece. E todas as crianças têm o mesmo diagnóstico – asma”, denuncia.
Contudo, não é só a medicina tradicional que está doente. Lehmann também alerta para o charlatanismo nas práticas alternativas. “Recebi uma criança de Lisboa onde esteve a ser acompanhada por homeopata. Trouxe um saco enorme cheio de remédios”, mas os pais não sabiam dizer para que eram…
Somando isto, chegámos ao motivo pelo qual o casal apenas trabalha com gente pequena. “Temos pena das crianças. Os adultos podem dizer – tu és maluco, nunca mais cá volto! Mas as crianças não podem. E pelo menos aqui podem receber um tratamento mais leve”, diz Walburga.
“Muitas crianças dizem que só querem o médico dos cabelos brancos”, diz. Os desenhos e fotografias com dedicatórias que tem espalhados pela clínica comprovam-no.
Em Portugal, a homeopatia não está tão desenvolvida como na Alemanha. “Normalmente, as mães são mais abertas” a esta abordagem. “Os pais mostram-se sempre críticos”, diz Helmuth.
Por outro lado, “quando fazemos perguntas sobre a rotina das crianças, os pais nunca sabem nada. Quando vêm sozinhos com os filhos, muitos telefonam às mães”, acrescenta o médico alemão.
Isto é importante porque o diálogo é a base da homeopatia. É o meio mais eficaz para o diagnóstico. As respostas a questões simples como “a criança tosse ao deitar? Tosse a dormir ou acorda? Tosse húmida ou seca? Quantas vezes seguidas durante o dia?” são fundamentais para encontrar o remédio certo.
Curiosamente, também o próprio Helmuth era descrente. Quem primeiro começou os estudos foi Walburga, apesar do ceticismo e até alguma animosidade do marido.
Só depois de ter tido um problema num pé devido ao ácido úrico, que foi tratado pela mulher, é que Helmuth decidiu matricular-se na Escola para Naturopatas de Duisburg, em 1987. Aí também encontrou alguma resistência por parte do mestre Georg Pflüger, que “não queria ensinar médicos”…
Nas últimas semanas, Lehmann tem visto cada vez mais novos casos de Gripe A. Não está preocupado. “Há três remédios epidémicos para esta gripe – eupatorium, gelsinium e bryonia. Não é preciso mais nada.”
Questionado em relação à vacina da gripe, diz “não gosto”. Na composição há “ingredientes que ainda não foram experimentados. Ninguém sabe o que acontece”. Também o plano geral de vacinação suscita dúvidas. “A vacina da rubéola é dada aos meninos. Bem, isso é totalmente maluco, pois nunca terá uma gravidez”. O médico conhece casos infelizes de complicações da vacina da poliomielite, que “tem grandes riscos”. Apenas a do tétano merece uma opinião favorável. “Eu gosto quando as crianças têm varicela. Todas as doenças infantis activam o sistema imunitário”, considera.
Resta dizer que a homeopatia tem ainda vantagens sobre a medicina tradicional porque trata as emoções. Por exemplo, traumas, autismo, hiperatividade, encontram uma resposta natural e não um fardo de antidepressivos e calmantes químicos. Casos simples, como o medo de ir para a escola, o medo do escuro, ou a separação temporária dos pais, também.
Numa época de crise, é importante dizer que os remédios homeopáticos são muito mais baratos que qualquer farmácia cheia de promoções. Diluídos em água e tomados várias vezes ao dia, são uma terapia fácil e acessível.
A má notícia é que no dia 23 de Dezembro, o casal Lehmann vai encerrar a clínica.
Para já, estão a treinar a Dr.ª Alexandra, uma médica oftalmologista russa, professora na Universidade de Moscovo e fluente em alemão, que poderá vir a continuar este trabalho. “O que é importante, é que abrimos aqui uma grande porta”, conclui Walburga.